Oficinas com famílias... e agora, como escolher os temas?
- drdivinopolis
- 4 de dez. de 2019
- 5 min de leitura
De acordo com o caderno de Orientações Técnicas sobre o PAIF (2012), volume 2, em sua página 23, as Oficinas com Famílias “consistem na realização de encontros previamente organizados, com objetivos de curto prazo a serem atingidos com um conjunto de famílias, por meio de seus responsáveis ou outros representantes, sob a condução de técnicos de nível superior do CRAS.”
Mas espera aí? Para planejarmos e mobilizarmos @s usuári@s para participação nas oficinas, precisamos escolher os temas. E agora??
Calma! Elaboramos um texto que pode te auxiliar. Confere aí e boa leitura!
Quantas vezes nos frustramos ao pensar nos mínimos detalhes operacionais de uma oficina com famílias (desde o zelo na elaboração do convite, ao lanche preparado com carinho), e acabamos levando um banho de água fria ao nos depararmos com a presença de apenas um ou dois usuários...
– Aonde falhamos? Foi na mobilização? Ou foi na escolha do tema? Deveríamos ter convidado um palestrante de fora? Será que deveríamos condicionar o Bolsa Família à participação nas oficinas?
A adesão dos responsáveis familiares às oficinas coletivas do PAIF e do PAEFI vai muito além dessas questões operacionais. Ela corresponde não só à organização da oferta dos serviços socioassistenciais, mas também à confiança e credibilidade que conquistamos junto aos atendidos. Por isso a importância de uma boa acolhida, do esclarecimento dos usuários quanto aos serviços e propósitos da política, da necessidade de uma escuta empática sem sermões e preconceitos, da construção de um vínculo entre o acolhido e o trabalhador e, mais ainda, do histórico dessa assistência social no município.
Há muitos municípios em que a Assistência Social passou a executar os serviços de forma séria, regular e menos assistencialista a pouco tempo, nos últimos 3 ou 7 anos. Sendo assim, como exigir de nossos assistidos, um entendimento claro sobre uma política tão jovem? Faça uma pesquisa no seu município e tente descobrir se já houve alguma vez a organização de grupos para discussão de temas, seja na atenção primária na saúde, na assistência ou em algum tipo de organização da sociedade civil. Se esse tipo de ação não faz parte do histórico das políticas municipais, ou se em algum momento até houve alguma ação coletiva deste gênero, porém atualmente não existe mais, então vou te adiantar caro(a) colega: tenha bastante paciência e resiliência! Afinal, quem vai dar o braço a torcer e participar de uma coisa que ninguém conhece? Uns poucos usuários podem se arriscar, mas dificilmente muitos toparão a experiência. Ou quem irá participar de uma coisa que historicamente não terá continuidade com o tempo?! Precisamos nos lembrar que estamos lidando com pessoas, com seus medos e culturas, por isso precisamos ter persistência e resiliência. Talvez neste primeiro momento, para criar a cultura, seja interessante começar com oficinas abertas, em que as pessoas possam participar de quantos encontros quiserem e novos interessados (de acordo com o perfil) possam adentrar ao grupo à qualquer tempo. Pode ser um bom começo tanto para os usuários quanto para nós profissionais. Afinal, também precisamos nos acostumar a falar em público, desenvolver didáticas de grupo, promover reflexões... É um processo de experiência, por isso tenha paciência consigo mesmo(a)! Não pense nos “equívocos” que por ventura vierem a acontecer nos grupos como fracasso. Pense neles como um convite desafiador à melhoria. Eu sei, dá um frio na barriga só de pensar! Mas pense que não é só você que está se sentindo inseguro, acredite, os usuários também se sentem assim, por isso aproveite a experiência para pensar: o que promoveria mais confiança para todos?
Agora que tratamos de todo o contexto que pode afetar a participação nas oficinas, vamos tratar da questão que aflige a todos: como escolher os temas? Considerando que nossas oficinas no PAIF e PAEFI serão para adultos (responsáveis familiares), mais do que um entretenimento, estas oficinas devem ter o propósito de promover a reflexão quanto aos problemas cotidianos que os assolam. Sendo assim, podemos obter informações sobre esses problemas de duas formas: (1) passiva e (2) ativa. De forma passiva estes problemas chegam até nós através do acompanhamento individual que fazemos. Por isso ouça com atenção este responsável familiar, se coloque no lugar dele e tente entender quais são os riscos e vulnerabilidades ao qual está exposto. Pergunte: quais são seus desejos e quais são as dificuldades que tem encontrado para realizar este(s) objetivo(s). Registre essas informações para que você não se esqueça, ou para discuti-las posteriormente com outro profissional.
Outro modo de obter essas questões de risco e vulnerabilidade é de forma ativa, ou seja, investigando esses fatores no território. Quais são as desproteções presentes no território? Quais os equipamentos públicos existentes na região? Quais as políticas públicas são desenvolvidas na região? Nesse território há entidades, associações ou algum tipo de ação não governamental? Quais são as violações de direitos mais frequentes? Quem é o público que mais sofre essas violações? Crianças, mulheres, negros, pardos, homossexuais, divorciadas? Qual a cultura daquele local? Quais os pontos positivos e negativos desta cultura? Há sentimento de pertencimento ao território? Há valorização de sua cultura raiz? Existe um sentimento de coletividade? As pessoas conhecem seus direitos e sabem onde procurar por eles? Todas essas questões são insumos para o nosso trabalho e devem ser considerados por nós profissionais no sentido de antecipar as violações e os riscos e tornar os cidadãos mais conscientes de seus direitos e dispostos a lutar por eles. Afinal, nosso objetivo é criar um sentimento de coletividade, pertencimento e autonomia. Calma! Eu sei que essa ação parece algo complicado que demanda tempo e muito esforço e sei que com toda sobrecarga de trabalho isso parece utópico, mas essa é uma ação que pode ser construída coletivamente: com a saúde (através de uma entrevista aos agentes de saúde), com os líderes da comunidade, com os próprios grupos (através da criação de um mapa falado, uma oficina de fotografias do território, um tour guiado), com o auxílio de universidades, escolas, associações...
Mesclar as formas de coleta dessas informações (ativa e passiva), ao invés de optar por uma ou outra, garante um diagnóstico mais completo das demandas dessas famílias. Elas nos darão dados de situações que deverão ser abordadas nas oficinas coletivas: evasão escolar, segurança alimentar, relações familiares, participação social, inclusão da pessoa com deficiência... Sempre com o intuito de esclarecer sobre os direitos, as possibilidades que o território oferece, ou mesmo uma discussão aberta para reflexão sobre o tema...
Às vezes temas complexos aparecerão como demanda e devemos ter tato para abordá-los. Por exemplo, violência contra mulheres: talvez seja muito invasivo tratarmos sobre isso de cara no primeiro encontro da oficina. Talvez seja necessário tatear a questão e falarmos sobre o papel da mulher na atualidade, autoestima, relacionamentos amorosos não abusivos, direitos, para que uma mulher nesta situação possa começar uma trajetória de autodescobrimento e de busca de caminhos para o futuro que ela deseja pra ela mesma, de forma autônoma porém acompanhada, para que ela se sinta segura dos passos que irá tomar.
Em tempos de encurtamento dos espaços de participação social, as ações de caráter coletivo se fazem cada vez mais necessárias, e a palavra de ordem pra hoje é CORAGEM! Coragem pra arriscar, pra aprender com os erros, pra mudar o percurso e pra tentar de novo, e de novo, e de novo, quantas vezes for preciso!...
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